23 March 2008

A uma espera infindável

Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,suportar a semelhança
das coisas ásperas de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento que lembra a Terra e sua púrpurademente?

Ninguém responde, a vida é pétrea.

17 March 2008

a um dia de sobrevivência


Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

12 March 2008

Waiting Line

Com lento amor olhava os dispersos
Tons da tarde. A ela comprazia
Perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.
Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.
Sem se atrever a andar neste perplexo
Labirinto, olhava lá de fora
As formas, o tumulto e a carreira,
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.

Jorge Luis Borges, Buenos Aires